This is a blog on Manuel da Silva Ramos, a portuguese writer, co-author of «os lusíadas» (1977) and author of «Jesus - the last adventure of Franz Kafka» (2002) and «Café Montalto» (2003), among others novels. Cafemontalto aims to be also a space of debat on literature and portuguese contemporary history. Author: Daniel Melo, historian.
quarta-feira, fevereiro 24, 2010
Três vidas ao espelho: desvendamento pela noite dentro
Hoje, pelas 22h, Manuel da Silva Ramos lança o seu último romance na 11.ª edição das Correntes d'Escritas, a decorrer desde sábado passado na cidade da Póvoa de Varzim.
Três vidas ao espelho são 3 vidas escolhidas entre milhentas da diáspora portuguesa: um contrabandista, um homem bondoso e crístico, e um fabricante de sonhos cinematográficos. São 3 heróis, cada qual à sua maneira.
Para não lhe ficar atrás, também o presente livro tem a heróica ambição de recuperar a auto-estima da pátria, mas dum modo diverso do alegrista...
Manuel da Silva Ramos estará hoje presente na 79.ª Feira do Livro de Lisboa para uma sessão de autógrafos. O encontro, com início às 18h, decorrerá no pavilhão das Publicações D. Quixote, no espaço Leya.
Manuel da Silva Ramos tinha 20 anos quando concluiu Os três seios de Novélia, o qual foi logo distinguido por um júri de primeira água, com o Prémio de Novelística Almeida Garrett- 1968. Assim foi o seu baptismo de fogo, na efervescência do Maio de 68.
30 anos depois, este livro de referência na história da literatura portuguesa volta a ser reeditado, numa edição da Publicações Dom Quixote. É a 3.ª edição desta obra, tendo como novidade um posfácio apimentado do autor.
Para o fim, fica um resumo do livro, preparado pela editora:
"Os Três Seios de Novélia é um pequeno romance de amor irreal onde a rumorejante solidão de um jovem escritor o força a procurar a mulher alquímica, sua secreta nostalgia. É também uma descoberta de Lisboa, com os seus cafés, praças, ruas, avenidas, onde a promessa de qualquer mulher compensará o reles quotidiano. Esta invenção de uma mulher clara que existia efectivamente nas ruas de Lisboa de 1968, e continua a existir, é também o triunfo da literatura. Um Longo Nascimento, o segundo texto do livro, é um pequeno diário de uma infância e adolescência felizes na província onde a alfaiataria dos pais, lagartos ao sol, primas, faces de meninas prémenstruadas, cântaros defenestrados na última noite do ano, livros, escritores mortos, se amontoam para glorificar uma vida ainda fugitiva de criador. A Respiração é o atelier em brasa do artista. A sua imaginação mais desabrida, delirante. Estamos aqui no interior do vulcão da imaginação. E o final «Sermão de Santo António aos Astronautas» é a cereja em cima do bolo ardente".
O lançamento do novo romance do Manuel da Silva Ramos, que anunciámos no post anterior, já tem data marcada: a próxima 5.ª feira, 19 de Julho, às 18h30, na Livraria Bulhosa (metro de Entrecampos, Lisboa). A ponte submersa será apresentado pelo escritor e crítico literário Miguel Real.
Segue-se uma mini-digressão! O 2.º lançamento e respectiva sessão de autógrafos ocorrerá na Feira de São Tiago, na Covilhã, no dia 24, às 21h (cf. aqui). O 3.º lançamento terá lugar no Café do Clube Recreativo Penichense, a 29, pelas 21h30, no âmbito da 11.ª edição da Feira do Livro da cidade de Peniche (cf. aqui). O enredo deste romance parte dum caso verídico (os homicídios imputados a um ex-cabo da GNR de St.ª Comba Dão), que está presentemente em julgamento. Como nos diz o autor: "Esta é a incrível história de um homem que destruiu a vida de três jovens cheias de sonhos promissores, arrastando no mesmo golpe a cidade que o viu nascer para o opróbrio e a lama e dando vergonha aos seus habitantes ainda não esquecidos de um nome de um conterrâneo ilustre que meteu Portugal na lama da História durante muitos e obscuros anos. Este romance é um feroz requisitório contra os homens portugueses que tentam condicionar o destino de muitas mulheres e uma crítica severa a uma instituição arcaica, prepotente e privilegiada. Enfim, e não é a menor das coisas, oferece um inexplorado caminho de esperança dando lucidamente a mão aos defensores da natureza e do humanismo".
Após uma fantástica sessão de lançamento na Galeria Zé dos Bois, a noite prosseguiu pela boémia do Bairro Alto e foi desaguar ao BarArtis. Entretanto, Manuel da Silva Ramos quebrou mais uma barreira, e estreou-se na blogosfera. Aproveitando a boleia do seu novo romance eis agora, refulgente, o blogue Contos para a juventude. Tomai lá, então, do Manel, dose dupla!!!
A literatura para os moços prolonga-se aqui dum modo renovadamente inesperado, com novas versões, outras histórias, interpelações directas, revelações de deambulações quotidianas.
"Manuel da Silva Ramos vai lançar novo livro no dia 28 na Galeria Zé dos Bois, ao Bairro Alto. Esta novela escrita com a mestria deste que é sem dúvida um dos melhores escritores que temos no nosso país, vem no seguimento da sua ebuliente criatividade e capacidades narrativas. Infelizmente ou não, o escritor tem passado despercebido a muita gente. Abri pois os olhos para este novo livro. «O sol da meia-noite» seguido de «Contos para a Juventude». Manuel da Silva Ramos. " v
Nb: a Galeria Zé dos Bois fica na R. da Barroca, 59, e o lançamento inicia-se às 21h30, tendo a acompanhar bom vinho beirão da Quinta dos Termos.
Está na calha o novo livro de contos de Manuel da Silva Ramos, o seu segundo título a sair nas Publicações D. Quixote.
O escritor Miguel Real, um dos autores actuais mais destacados no romance histórico, dá uma antevisão calorosa desse livro, em depoimento ao jornal Público de hoje (p.31). Fala dele ao lado doutros 3 autores. Aqui fica o trecho:
"Miguel Real não resistiu e escolheu os novos livros de quatro escritores, já anunciados publicamente: os romances de Paulo Moreiras [ainda sem título, mas sobre tema histórico, edição Quidnovi], Sérgio Luís de Carvalho (Os Peregrinos Sem Fé, edição Campo das Letras) e Filomena Marona Beja, e um livro de contos de Manuel da Silva Ramos (D. Quixote). Explica porquê: «Porque têm gerado alguma expectativa no sentido de aquilatar se estes autores, que nos últimos anos têm atingido uma apreciável qualidade narrativa e uma forte inovação estética, compondo claramente um meio-termo entre a vertente light e a vertente mais intelectualizada (José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares, Mafalda Ivo Cruz, Valter Hugo Mãe...) do romance português, mantêm um patamar qualitativo idêntico ao dos seus anteriores livros. Joga-se, neste facto, a inclinação mais popularucha ou mais cerebralizada do futuro imediato do romance português»".
Ambulância foi considerado um dos melhores romances de 2006 pelo escritor Miguel Real, num conjunto de 7 eleitos.
Eis a sua avaliação pessoal sobre esse livro: "romance que resgata a vertente satírica do romance português, confluindo com a tradição portuguesa da graça jocosa, a frase curta ao modo do epigrama faceto, o refrão trocista, a repetição pela semelhança fonética ao modo surrealista, o entremez escarnecedor e acutilante, numa palavra, o universo literário da farsa e da sátira, que se revê hoje como arma de arremesso contra os poderosos do mundo da política, do futebol, da Igreja e da construção civil" (Público, 5/I/2007, p.9 do sup.º Mil Folhas). Nb: a imagem é da contracapa do livro.
Adágios deste tempo 1 - Quem pouco dorme muito rouba. 2 - Os ricos pagam impostos nas putas caras. 3 - Os padres são os saloios do presente. 4 - Deus ainda ilude muita gente. 5 - Quem come sentado tem forçosamente as calças rotas. 6 - Os pobres estão cada vez mais sossegados. 7 - Os caloteiros trabalham todos os dias. 8 - Há cada vez mais agiotas e poetas. 9 - Os mortos começam a ter dificuldades. 10 - Os vivos só olham para as dívidas que têm. 11- Quem mete na comida muito sal, não chega ao Pragal. 12- Em Maio poupa um desmaio. 13- As aparências desiludem. 14- Quem vê televisão é porque não pode comprar um saguão. 15- Os sábios escondem-se ou caíram em desuso. 16- Toda a gente conhece a valsa do cinto das calças. 17- Os portugueses têm casas a mais e botões a menos. 18- Há cada vez mais pessimistas desenforcados. 19- Quem escuta, passa a ser parvo. 20- Quem dá aos pobres, ainda escreve cartas. 21 - Homem pequenino, não tem necessariamente de ter um de asinino. 22 - Os futebolistas dão sempre nas vistas. 23 - Quem muito fala só pode ser um génio. 24 - Quem se mete a viver com um preservativo, mete-se fora da sociedade. 25 - Ri-se só quem está a ser enrabado ao sábado. 26 - Os moribundos comem kiwis. 27 - Os jornalistas, em vias de extinção, copiam-se todos uns aos outros. 28 - No Verão divide o teu cão pelos vizinhos. 29 - «Finalmente vai a Fátima!» dizem os caóticos. 30 - Quem come pão ainda acredita na revolução.
31- Não confundas o entardecer com o fim do mundo. 32- Grão a grão enche o romancista o coração. 33- Os médicos padecem todos de hipertensão do porta-moedas. 34- Os advogados são dinossauros electrocutados às moscas. 35- Os artistas continuam a morrer de velhice e de muito juízo. 36- As pessoas mais sensíveis são os cangalheiros. 37- Os computadores portáteis póstumos dos escritores que se suicidaram ou daqueles que morerram vergonhosamente sós, são sistematicamente roubados pelos primeiros polícias a chegarem ao local do crime e desaparecem naturalmente na natureza. 38- Caçar feriados com redes e furões, o maior desporto. 39- Não conheço nenhum careca que não esteja desesperado. 40- As mulheres são como as raposas, entram nuas nos capoeiros e saem grávidas. 41- Estamos todos a apertar parafusos inexistentes. 42- É o número que eu calço para entrar no Inferno, classificado património português.
Manuel da Silva Ramos (in Ambulância, Pubs. D. Quixote, 2006, p. 195/6)
"O esplendor burlesco de «Ambulância»" é o título da recensão crítica que Urbano Tavares Rodrigues dedicou ao último romance de Manuel da Silva Ramos. De leitura recomendada, pois concerteza.
"O romance satírico de Manuel da Silva Ramos" apresenta-nos o olhar de Filomena Oliveira e Luís Martins sobre o último livro deste escritor (reproduz o texto de apresentação do romance em Sintra, na sessão do dia 7 passado, na tertúlia d'0s Meninos da Avó, na Quinta da Regaleira).
Peregrinação por um país doente, a necessitar de ambulância
O escritor Manuel da Silva Ramos vai lançar o seu último romance, ambulância, esta 5.ª feira, às 19h, no Café Império (ao lado do antigo Cinema Império, Av. Almirante Reis, 205 C, metro Alameda). O livro, com chancela das Publicações D. Quixote, terá apresentação de Urbano Tavares Rodrigues, seguido dum excurso de Fernando Paulouro pela obra do escritor covilhanense. Depois vem a festa, à beirã: bom vinho, petiscos regionais (com as inolvidáveis xerovias fritas fundanenses), convívio e as actuações do Rancho Folc.º e Etnog.º do Refúgio e dos Jograis Utópico do Banco de Portugal. Nestes últimos anos, Manuel da Silva Ramos consolidou uma obra desarmante e profunda, articulando um olhar sobre o mundo e a portugalidade com um desassombro, acutilância e empenho inigualáveis. É um dos maiores escritores lusos vivos, a contra-corrente, o mais inovador estilisticamente, o mais arrojado em termos de linguagem e temáticas propostas, conjugando surrealismo, fantástico e realismo dum modo único, e cultivando distintas modulações da ironia e da sátira como poucos (derrisão, sarcasmo, picaresco, zombaria). Para mais informações sobre a sua obra vd. o blogue específico Café Montalto. Deixo-vos com um aperitivo para amanhã, retirado da contracapa de ambulância:"Inverosímil, formidável e fantasticamente literário. Montado na sua hemorróida Ermelinda e de mão dada com a sua namorada, a cadela Carolina, um escritor vivido e na força da sua experiência criativa, empreende uma viagem pelo país profundo à procura dos autores de dois crimes, e, finalmente, depois de muitas aventuras, descobre o criminoso onde menos se espera. Esta peregrinação por um país doente dum escritor política e sexualmente incorrecto leva-nos dos arrabaldes do Fundão aos arrabaldes de Leiria passando por Coimbra, Lisboa e outros lugares anónimos dum Portugal mergulhado na crise económica e na corrupção". A entrada é livre, aqui fica o convite. Que mais se pode pedir para um fim de tarde na Lisboa desassossegada?
Nb: post originalmente publicado no blogue Fuga para a Vitória, já com correcções posteriores.
Nesta 2.ª actualização apresenta-se uma bibliografia passiva recente do escritor Manuel da Silva Ramos, após uma recolha que se pretendeu o mais exaustiva possível. Qualquer informação adicional será bem-vinda, podendo ser enviada sob a forma de comentário.
RAMOS, MANUEL DA SILVA, 1947-
BIBLIOGRAFIA PASSIVA: ►BASTOS, Baptista, “Um romance admirável” [recensão crítica a Café Montalto], Jornal do Fundão, Fundão, 23/I/2004, p. 4. ►FERREIRA, António Mega, “Um livro delirante” [recensão crítica a Jesus – the last adventure of Franz Kafka], Visão, Lisboa, 5/VIII/2004, p. 19. ►MELO, Daniel, “Vida e luta na Manchester portuguesa” [recensão crítica a Café Montalto], Lisboa, http://www.cafemontalto.blogspot.com/2004/02/caf-montalto-um-blogue-sobre-o.html, 28/II/2004. ►NEVES, Fernando Paulouro, “Manuel da Silva Ramos: a escrita como ofício”, Estudos de Castelo Branco. Revista de história e cultura, Castelo Branco, nova série, n.º 1, X/2003. ►PORTUGAL. COIMBRA 2003, “Escrita purgativa: sátira, escárnio & etc.”, Coimbra, Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003, http://www.sagitta.ci.uc.pt/mhonarchive/ecientificos/msg00870.html, 9/XII/2003. ►PORTUGAL. INSTITUTO CAMÕES, “A «Viagem» de Manuel da Silva”, Maputo, Instituto Camões (Delegação de Maputo), http://www.instituto-camoes.pt/icnoticias/noticias01/viagmsilva.htm, 28/I/2001. ►RAMALHO, Maria Irene, “A ‘construção poética do império’ português”, Público, Lisboa, 31/I/2004, p. 12-13 (sup. Mil Folhas). ►REBELO, Luís de Sousa, “O mito do lusíada: uma tentativa de superação”, in Margarida Calafate Ribeiro e Ana Paula Ferreira (org.), Fantasmas e fantasias imperiais no imaginário português contemporâneo, Porto, Campo das Letras, XI/2003, p. 115-127.
►RICARDO, “Manuel da Silva Ramos regressa ao Neo-Realismo” [recensão e trecho de Café Montalto], in blogue Granito, http://granito.blogspot.com/2003/11/manuel-da-silva-ramos-regressa-ao-neo.html, 13/XI/2003. ►RODRIGUES, Catarina, “«Jesus: the last adventure of Franz Kafka». Romance em Praga”, urbi et orbi – jornal on-line da ubi, da covilhã, da região e do resto, Covilhã, edição n.º 114,http://urbi.ubi.pt/020409/edicao/114cult_livro.html, 9-15/IV/2002. ►RODRIGUES, Urbano Tavares, “Cáustico e solidário” [recensão crítica a Café Montalto], in Expresso, Lisboa, 17/I/2004, p. 38-Actual. ►SARAIVA, António José, LOPES, Óscar, História da literatura portuguesa, 17.ª ed. corrigida e actualizada, Porto, Porto Editora, 2000 [1955], passim.
Nesta 1.ª actualização insiro a bibliografia activa de Manuel da Silva Ramos. Na próxima actualização, será a vez da bibliografia passiva. Caso tenham informações relativas a textos com referências a este autor façam o favor de mas enviar, através de comentário ao blogue (o campo URL que surgir no ecrã quando clicarem para comentar não é de preenchimento obrigatório, tem como finalidade assinalar o endereço dum blogue ou sítio de Internet considerado interessante e/ou afim) ou para o meu e-mail (daniel.melo@ics.ul.pt). De preferência, enviem-me a informação o mais detalhada possível: autor, título do texto e do local de publicação, data com dia, mês e ano se tal for possível e página(s) onde foi pulicado (ou endereço electrónico, caso seja texto da Internet). Não se façam rogados, o autor merece. E a literatura portuguesa agradece.
RAMOS, MANUEL DA SILVA, 1947-
BIBLIOGRAFIA ACTIVA: [1] – Os três seios de Novélia, 1.ª ed., Porto, Inova (col.º «Metamorfoses», n.º 2), 1969, 114 p., [1] f., 20 cm.; CDU: 821.134.3-31"19"; cota da BN: L.62837P.; cota da UCJPII: CP-LP3630; 2.ª ed., Porto, Fenda (col.º «Títulos do tesouro»), 1996, 98, [3] p., il., 24 cm; cota da BN: L.54705V.; cota da BPMP: N7-5-41(3); cota da UCBG: 6-33-15-12. [2] – (com Alface), os lusíadas: romance, Lisboa, Assírio e Alvim (col.º «Cadernos peninsulares. Especial», n.º 2), 1977, 443 p., 25 cm.; CDU: 821.134.3-31"19"; cota da BN: L.25549V.. [3] – (com Alface), As noites brancas do Papa negro: romance, 1.ª ed., Lisboa, A Regra do Jogo, 1982; 2.ª ed., Lisboa, Fenda (col.º «Títulos do tesouro»), d.l. 1996, 101, [2] p., 24 cm; CDU: 821.134.3-31"19"; cota da BN: L.54547V; cota da BPMP: Y7-12-19[11]; cota da UCBG: 5-28-13-30. [4] – (com Alface), Beijinhos: romance, Lisboa, Fenda (col.º «Títulos do tesouro»), 1996, 382, [2] p., 24 cm; CDU: 821.134.3-31"19"; cota da BN: L.55029V.; cota da BPMP: Y7-12-19[13]; cota da DARMAD: 99/0542SA; cota da UCBG: 6-33-15-37. [5] – Adeusamália, Lisboa, Fenda (col.º «Fenda luminosa», n.º 18), imp. 1999, 88, [1] p., 19 cm; CDU: 821.134.2-9"19"; cota da BN: L.90999P.; cota da UCBG: 5-70-17-41. [6] – (com Zé D’Almeida), Coisas do vinho: prazeres & prazer do vinho: esperanças e desesperanças do vinho, Lisboa, Vedior PsicoEmprego e Vedior PsicoForma, 1999, 73 p., il., 30 cm; CDU: 821.134.3-1"19"/ 025.85; cota da BN: L.65370V.; cota da UCBG: 6-37-13- 41. [7] – O tanatoperador: poesias, Lisboa, Fenda (col.º «Fenda luminosa», n.º 9), 1999, 214, [1] p., 19 cm; CDU: 821.134.3-1"19"; cota da BN: L.90670P.. [8] – Portugal, e o futuro?: exéquias para um espinho, Lisboa, Fenda, 1999, 69 p., ISBN: 972-8529-17-1. [9] – Viagem com branco no bolso, Lisboa, Fenda, 2000, 574 p., 21 cm; CDU: 821.134.3-31"19"; cota da BN: L.68201V.; cota da UCBG: 6-37-55-45. [10] – Jesus: the last adventure of Frank Kafka: romance, Lisboa, Fenda, d.l. 2002, 246, [1] p., 22 cm; CDU: 821.134.3-31"19"; cota da BN: “nova aquisição” (ainda sem cota). [11] – Café Montalto, Coimbra e Castelo Branco, Alma Azul, Outubro de 2003, 349 p..
CAFÉ MONTALTO Um blogue sobre o escritor Manuel da Silva Ramos, a literatura e a história do Portugal contemporâneo. Bem-vindos! O ideal seria poder oferecer-vos um café; não sendo possível, convido-vos a entrar no Café Montalto. É com grande prazer que vos apresento este livro, na estreia do blogue homónimo, precisamente num dia muito especial para mim, o do centenário do Sport Lisboa e Benfica. Como verão, o livro também fala de futebol, e até de um modo dessassombrado.
Vida e luta na Manchester portuguesa (recensão crítica a Manuel da Silva Ramos, Café Montalto, Coimbra e Castelo Branco, Alma Azul, Outubro de 2003, 349 p.)
“É com palavras, que são apenas sons, que tudo edificamos na vida. Mas agora que os valores mudaram, de que nos servem estas palavras? É preciso criar outras, empregar outras, obscuras, terríveis, em carne viva, que traduzam a cólera, o instinto e o espanto.” (Raul Brandão, Húmus, 1916)
“E o relógio diz-nos a hora, o minuto e o segundo, numa auréola pálida e silenciosa, anuncia-nos, com toda a certeza da sua sabedoria, que a noite desliza e mergulha nas trevas mas, ao mesmo tempo, avança para um novo sol.” (Ray Bradbury, Fahrenheit 451, 1953)
“Se não se deseja que um homem ponha problemas de ordem política, não se lhe dê duas soluções à escolha; dê-se-lhe só uma ou, melhor, não se lhe dê nenhuma.” (idem)
Uma cidade estende-se pela encosta da montanha mais alta do Portugal continental, moldando-se aos braços irregulares das ribeiras e colando os seus extremos horizontalmente. Essa cidade, a Covilhã, foi durante muitas décadas um dos principais pólos da indústria têxtil lusa, e em paralelo, um bastião do operariado fabril. Apelidada justamente de Manchester portuguesa, dela nos dá o autor um fresco do final da ditadura à consolidação da democracia (1963-1978), servindo-se do regresso dum filho pródigo à terra natal, na actualidade. Manuel da Silva Ramos, nascido em 1947, tem uma obra singular no panorama português: a inovação estilística complementa o interrogar de temáticas clássicas, como o amor (Os três seios de Novélia, 1969; Beijinhos, 1996), o prazer (Coisas do vinho, ilustrado por Zé D’Almeida, 1999), a vida em sociedade e a política (Portugal, e o futuro?, 1999). Na esteira dum José Cardoso Pires, problematiza a identidade nacional através da análise de ícones da história pátria (os lusíadas, com Alface, 1977; Adeusamália, 1999). Também ousa introduzir autores universais nos seus livros, propondo a obra e o seu escritor como centro do mundo das representações e, portanto, do imaginário universal das pessoas e dos locais (Jesus – the last adventure of Franz Kafka, 2002). A amplitude e diversidade de abordagens remetem para a experiência de vida do autor, exilado em França durante grande parte da sua vida (1970-1997). O presente romance, que o autor designa por “factoficção”, associa um enredo ficcional clássico a uma minuciosa e extensa exposição do quotidiano covilhanense daquele tempo. O autor prossegue o exemplo de Ferreira de Castro em A lã e a neve (1947), sobretudo no local escolhido e no olhar verista e atento às classes populares. A sua reconstituição histórica é baseada em documentação vária, depoimentos que o autor coligiu e na sua vivência enquanto conterrâneo. De resto, o livro integra parte desse material: fotografias de fábricas, eventos e padrões de tecido, reproduções de cadernetas sindicais, trechos de entrevistas, etc.. Silva Ramos combina a ficção e o documental dum modo admirável: não tem receio de dar a muitos dos personagens da elite local os nomes próprios dos homens em que se basearam, apesar da controvérsia que aí podia provocar (e está provocando), dado implicar com a imagem de famílias locais ainda influentes. Paralelamente, conta episódios de modo tão vivo e interligado que somos levados a tomar como realidade. O efeito da combinação cria assim um jogo de espelhos muito sedutor, dir-se-ia que mágico, revelando a faceta surrealista do escritor. O episódio do ciclista que desiste duma corrida de S. Silvestre para cear no café Solneve (p. 69) lembra as aventuras de Spirou e Fantásio em A máscara misteriosa (1956). Ora, isto podia ter sucedido, bastando associar a invernia serrana e o poder de atracção dos cafés da Covilhã, de que o autor nos dá conta. A cuidada descrição dos vários cafés da cidade justifica-se não só pela sua relevância enquanto pontos de sociabilidade como pela sua compartimentação classista e política. De resto, o Café Montalto que dá nome ao livro foi o principal ponto de encontro da burguesia local, marcando as divisões classistas na cidade e aonde os operários só puderam aceder após o golpe militar de 25 de Abril de 1974. A situação de exploração do operariado é-nos mostrada em várias facetas. Desde logo, o mau estado de saúde, devido à má alimentação (a refeição costumeira era batatas e pão), à falta de condições higiénicas e laborais, ao mau acompanhamento médico. Eram frequentes os acidentes de trabalho (e são vários os exemplos: vd. p. 121), causados pela maquinaria obsoleta e pela falta de segurança laboral, o que leva o autor a denunciar a insensibilidade dos patrões: “O que é que os patrões sabem do sofrimento? Sabem eles que há lançadeiras que saltam dos teares como obuses enfurecidos e que se encaixam no rosto dos tecelões? Isso aconteceu com três ou quatro e ficaram sem uma vista. E que dizer das centenas que ficaram sem dedos desde que a Covilhã é a Covilhã pois o operário não só trabalha com a máquina como faz a manutenção dela” (p. 121/2). Pairava como uma ameaça a possibilidade de expulsão de modo arbitrário e/ou face à mínima queixa ou reivindicação salarial. Na caderneta profissional do operário inscrito obrigatoriamente no sindicato corporativo constava um espaço para notas, a «ressalva», que os patrões usavam para denegrirem os trabalhadores, o que lhes fechava automaticamente as portas em muitas fábricas. A repressão aos operários reivindicativos era brutal, o destino a prisão na capital por longas temporadas (uma lista de 17 operários da região detidos entre 1944 e 1968 pode ver-se na p. 237/8). A exploração ocorria também a nível sexual, com certos patrões abusando de operárias, a troco duma compensação material para atenuar uma existência pobre e miserável. No fim da vida, eram desterrados para um lar decadente e ultra-lotado, a segurança social foi uma miragem até à democracia. Só os patrões mais liberais e/ou oposicionistas é que eram uma excepção a esta dominação arbitrária e exploradora. O autor conta inclusivamente a história do industrial Zé Vicente que, após um despedimento em massa provocado pelas grandes greves operárias de 4/4/1946 (p. 37 e 131), foi buscar os trabalhadores covilhanenses à prisão para trabalharem na fábrica dele, ao jeito de Oscar Schindler. O operariado é retratado em toda a sua dimensão humana, abarcando as pequenas misérias e traições a que deitava mão, como a prostituição ou o operário «amarelo» orador de lapela nas sessões pseudo-harmonia de classes. Mostra-se também a perdição pelo álcool e o futebol como escape social, sendo o campo do Sporting Clube da Covilhã usado para insultar os patrões e a ditadura no meio do anonimato da berraria durante os jogos. Não por acaso, a prostituição é também o elo de ligação com o enredo romanesco. Uma das prostitutas (Etelvina), muito popular e matrona, é a mãe que comete incesto com o filho (sem ambos saberem) e cuja filha se unirá a este posteriormente, no início na ignorância dos factos, depois em consciência (o que era facilitado por nunca terem vivido juntos). O tema do incesto é recorrente na literatura universal, e já isso é revelador da sua importância na ordem e ética sociais. Também ao tema não é alheia a literatura portuguesa, desde Os Maias de Eça de Queirós (1888) ao Pedro e Paula de Hélder de Macedo (1998). Em Café Montalto sucede que o tema reenvia para a situação subordinada do operariado, pois a mãe do protagonista prostitui-se com um industrial por necessidade material e fica sem o filho por troca deliberada no hospital (recebendo um nado-morto). Esta trama complexifica a questão do incesto, pois coloca-a no contexto das fragilidades e dependências das classes sociais desfavorecidas, ligando-a ao problema da prostituição. Por outro lado, os irmãos que se unem conjugalmente remetem para o cruzamento classista, como se o autor quisesse demonstrar que a sociedade emenda os seus próprios erros e que existe sempre a esperança, mesmo na solução mais inesperada. E, sobretudo, que existe um valor humano e solidário que nada demove: o amor. A rosa triunfa sobre a erva-daninha, na evidência da sua beleza, da sua harmonia. Como refere Espinosa (Tractatus theologico-politicus, 1650): “Acontece com frequência lermos em livros diferentes histórias em si mesmas semelhantes, mas que julgamos de forma muito diversa, de acordo com as opiniões que formámos dos autores”. No caso em apreço, o julgamento é sobretudo determinado pelo enredo. Para além do operário, destaca-se o mundo polifacetado das classes médias. O protagonista Rui Vaz Faleiro, um estudante liceal que se torna operário e depois jornalista e exilado (numa clara alusão autobiográfica), espelha aqueles segmentos da classe média que se opunham à ditadura, representando uma minoria audaz da sociedade local, e por extensão, da sociedade portuguesa. O protagonista permite igualmente uma boa passagem para a história ficcional, pois é filho dum industrial imoral e cúmplice da situação, surgindo assim uma luta entre liberdade e opressão. A asfixia do espírito crítico, da pluralidade de pensamento e da rebeldia juvenil, que ocorre na escola é como uma sinédoque do resto da sociedade. Nem a imprensa local escapa, sendo preciso o vizinho Jornal do Fundão para representar a crítica à situação. A uma “sociedade paternalista, autoritária, moralista” (p. 123) e ao o conluio de interesses entre industriais, clero e ditadura impõe-se a união dos operários e da classe média esclarecida para opor resistência, denúncia e exigência de desenvolvimento integral. Essa aliança teve como exemplos maiores a indómita recepção ao candidato presidencial oposicionista Humberto Delgado (1958) e o projecto de insurreição popular armada da LUAR- Liga de Unidade e Acção Revolucionária, cujo objectivo inicial era a ocupação da Covilhã (1968). O projecto abortou não por inexperiência (recorde-se o desvio do avião da TAP Casablanca-Lisboa, em 1961, e o assalto ao Banco de Portugal na Figueira da Foz, em 1967), mas por causa da detenção do seu líder, Hermínio da Palma Inácio. Com a revolução de 1974 advém a libertação espiritual do operariado e dos oposicionistas, num contexto de inversão simbólica do poder (como se a subversão carnavalesca se tivesse tornado realidade), período de festa e excessos, mas com o autor recusando o revanchismo sobre os patrões e seus aliados, impondo a dignidade como um valor para todos. A superioridade moral da democracia passa por aqui. No decénio seguinte, a Covilhã perde cerca de duas centenas de fábricas e o Café Montalto é vendido para agência bancária (em 1986), mergulhando a cidade numa grave crise. A Universidade foi a porta de saída, resta saber se suficiente para fomentar um desenvolvimento sustentável. Manuel da Silva Ramos notabilizou-se cedo, sendo galardoado com o Prémio de Novelística Almeida Garrett aos 22 anos, para Os três seios de Novélia. Foi contemplado com bolsas de criação literária desde que regressou ao país, o que retribuiu com uma produção expressiva (7 grandes títulos de prosa desde então, além de poesia). Este seu último livro merece uma leitura atenta, sendo propício a uma reflexão e debate sobre o passado recente do país e sobre o papel da memória na construção da sociedade portuguesa. Como salienta Alberto Manguel: “Todos nos lemos a nós próprios e ao mundo à nossa volta para vislumbrarmos o que somos e onde estamos” (Uma história da leitura, 1996). Uma última nota para a editora, a Alma Azul, que apresenta uma edição de grande qualidade (bom papel, lombada cozida, mancha gráfica generosa), o que é raro no meio e por isso deve ser elogiado. Só é pena a qualidade das fotografias ser irregular e não ter um índice, lacunas facilmente resolúveis numa nova edição.